A Lei Distrital n. 6.112, de 02 de fevereiro deste ano, trouxe a obrigatoriedade de as empresas que vierem a contratar com a administração pública distrital possuírem um programa de compliance próprio. A legislação praticamente imitou a Lei Estadual Fluminense n. 7.753, de 17 de outubro de 2017, que trouxe a mesma obrigatoriedade para as empresas que contratarem com a administração pública do Estado do Rio de Janeiro. Essas legislações, apesar de atualmente pioneiras, em breve não serão as únicas, já que vários outros entes da federação estão com projetos de lei no mesmo sentido, como, por exemplo, São Paulo (Projeto de Lei n. 498/2018) e Espírito Santo (Projeto de Lei n. 5/2018).
Apesar da iniciativa ser louvável, por tratar de temas em voga e caros à sociedade (ética, integridade e combate à corrupção), há pouca divulgação e até mesmo falta de conhecimento sobre a “nova” lei – em especial sobre as suas minúcias. Além disso, apesar de atualmente muitos empresários já até terem algum conhecimento da existência da lei, ainda são poucos os que realmente sabem o que fazer para implementar um programa de compliance (também chamado de programa de integridade) em suas empresas.
Essa situação é explicada pela rápida tramitação do então projeto de lei que se tornou a lei distrital: o projeto foi protocolado pelo Deputado Chico Leite (Rede) em 3 de novembro de 2017 e pouco mais de 3 (três) meses depois já havia se tornado lei. E, apesar da rapidez na tramitação legislativa (o que se gostaria e muito que ocorresse para todos os projetos legislativos de grande relevância), houve pouca discussão sobre suas características junto à sociedade. Muitos empresários do setor de produtos e serviços – o que também inclui federações, associações e similares – não participaram da discussão da lei nem puderam dar suas contribuições, em especial os que vendem diretamente para o governo.
Todo esse contexto contribuiu para dois enormes problemas da legislação distrital: (1) os mesmos erros existentes na legislação fluminense (tais como falta de clareza legislativa, falha nas regras de avaliação do programa, questões de competência e outros) foram repetidos na legislação distrital e (2) a exigência da obrigatoriedade fica mais difícil de ser feita, já que (a) o setor empresarial precisa investir na implantação dos respectivos programas de compliance e (b) o próprio poder público precisa se capacitar para fazer a devida fiscalização do cumprimento dessa regra.
Em realidade, o problema n. 2 já ocorreu: inicialmente a lei previa o cumprimento da exigência em 180 (cento e oitenta) dias após a publicação da lei, o que se daria no início de Agosto/2018. Porém, o setor privado não conseguiu atender a legislação nem o setor público possui gente capacitada para fiscalizar o cumprimento da lei. Resultado: a lei teve que ser alterada. Assim nasceu a Lei Distrital n. 6.176, de 16/07/2018, determinando que a obrigatoriedade passará a ser exigida apenas em 1º de junho do próximo ano.
Além dessa situação fática, o assunto compliance ganhou novos contornos com a proposta do governo eleito para a administração do DF no quadriênio 2019-2022: em um editorial lançado no site Congresso em Foco (“Um programa de combate à corrupção em defesa de Brasília”), o governador eleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, defendeu, conjuntamente com o futuro Controlador-Geral do DF (Aldemário Araújo Castro), a criação de um Plano de Combate à Corrupção do Distrito Federal – o que, em realidade, nada mais é do que um programa de compliance governamental.
Embora a iniciativa seja, em teoria, louvável, os problemas estão postos à mesa:
1) Há falta de gente capacitada no poder público para implementar programas adequados às especificidades da Administração Pública;
2) Qualquer programa de compliance deve ser adequado às peculiaridades e particularidades de cada tipo de organização, não podendo ser um projeto amplo e geral como proposto pelo futuro governo, o que implicaria na necessidade de cada organização distrital ter o seu próprio programa e, consequentemente, em aumento de custos em um momento de necessária austeridade fiscal e financeira;
3) Atualmente os sistemas de governo não se comunicam, dificultando as propostas de integração para um combate efetivo à corrupção; e
4) Um bom programa de compliance (ou de prevenção a fraudes) precisa de mudança de cultura e, consequentemente, de capacitação do público envolvido – o que, na atual conjuntura, também encontra óbices de orçamento.
Para adicionar mais “tempero” à situação, é necessário levar em conta que o principal “ingrediente” de um programa de compliance é o comprometimento da alta direção com a ética e a integridade e com valores que representem esse desígnio (como verdade, honestidade e transparência). Essa ideia é uma tradução direta do conceito “tone from the top”, que também pode ser traduzido como "o tom [vem] do topo" ou "o exemplo vem de cima". Ocorre que no caso do futuro governo, em que o governador afirmou que representaria a “nova política”, os exemplos vêm na contramão, já que houve indicação de pessoas que representam a "velha política", como, por exemplo:
1) Sarney Filho, para a Secretaria de Meio Ambiente;
2) Laerte Bessa, para o Gabinete de Segurança Institucional;
3) Ericka Filippelli, para a Secretaria da Mulher.
Para aumentar a descrença de que a proposta do novo governo pode ser efetivamente implementada, o próprio governador eleito se encontra em situação de mau exemplo: o MPF denunciou Ibaneis Rocha por superfaturamento e dano ao erário na Bahia.
Como pode se perceber, apesar dos variados esforços governamentais, infelizmente a situação do compliance no DF não parece ser a melhor e os desafios são grandes tanto para o setor público como para o setor privado. O panorama é complexo: é preciso bom planejamento, boa execução, cuidado com as especificidades e verba para cobrir todos esses custos. A verdade é que só há uma certeza nessa conjuntura: o próximo ano será crucial para que seja possível concluir se compliance, no DF, será uma solução ou apenas mais um problema a ser solucionado. A população candanga com certeza espera que não seja a segunda opção...
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